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Benchmarking Extraterrestre: Oportunidades Na Gestão Pública

Desconcertado, o homem verde – já meio vermelho – indagou sobre a razão da existência dos sistemas na administração pública, se não para que o Estado pudesse garantir saúde, educação, moradias e outras necessidades.

Um marciano veio à Terra. Sua missão era compreender como nosso planeta funciona e levar de volta sugestões para o desenvolvimento de Marte. Como o objetivo estava genérico, seu superior, executivo prático e pouco inclinado a questões metafísicas de fundo, determinou que visitasse apenas um país, estudando assunto específico e com metodologia rigorosa, em esforço combinado de foco e ciência. Esses marcianos...

Após avaliar duas ou três possibilidades juntamente com seus superiores, concluíram que ele viria ao Brasil estudar administração pública. Por força de sigilo interplanetário, as razões do interesse não foram divulgadas.

Passados quatorze meses de sua presença no país, o marciano precisava escrever relatório circunstanciado de suas atividades. Apegou-se às coisas, estranhas ou não, que ouviu com maior frequência, pois seriam, com certeza, as mais relevantes para os servidores públicos brasileiros - os locais, na linguagem interplanetária.

Seguindo rigorosamente o método proposto, aprendeu a desenhar uma figura que se chamava pirâmide. Os seus entrevistados tinham obsessão por aquilo. Ela servia para demonstrar a forma de funcionamento da administração pública: no topo, o nível estratégico; no centro, o tático; na base, o operacional. Descobriu carreiras e servidores públicos bem remunerados na parte de cima do desenho. Afinal, era o topo. De modo geral, as atividades dos notáveis da administração se concentravam na definição de regras que disciplinavam a execução das ações dos gestores, enquadradas em uma série de ferramentas institucionais, os chamados sistemas estruturantes.

Anotou os nomes. Sistema de Gestão de Pessoal do Poder Executivo Federal. Sistema de Planejamento e Orçamento. Sistema de Administração de Recursos de Tecnologia da Informação. Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais. Sistema de Administração Financeira. Sistema de Contabilidade Federal.

Devia haver outros, mas não voltaria a Marte, se tivesse que anotar todos os nomes. Entendeu que a tarefa de organização desses sistemas era a mais nobre dentro do Estado, dado que estruturava as regras do jogo. Por isso – respondiam-lhe os seus entrevistados – compunham seu núcleo estratégico. No entanto, quase como um sintoma, incomodava-se com certo vazio. Então, certa feita, resolveu questionar: se aqui estão os que criam as regras, onde estão os que executam as ações? Remeteram-no à pirâmide, lembrando-lhe que a execução estaria no nível tático ou operacional.

A cisma não saía de sua cabeça oval, de forma que o agente marciano, em trajes verdes, foi atrás dos tais executores, fossem táticos ou operacionais. Como havia escutado dos notáveis a referência insistente a resultados, perguntou de que modo os executores avaliavam os sistemas estruturantes. Os resultados de suas políticas se originavam dos sistemas gerenciados pelos notáveis?

Descobriu, então, que os principais êxitos da administração pública nos últimos anos haviam sido viabilizados por regras alternativas às dos sistemas estruturantes. A redução da pobreza se deu por repasses direitos às famílias, abdicando de instrumentos de transferência entre entes. A fixação de médicos no interior do Brasil dependeu de base legal própria, que estabeleceu a integração ensino-serviço, tendo em vista que os concursos públicos não garantiam a presença dos profissionais onde eram mais necessários. A melhoria da execução de investimentos dependeu de regime diferenciado de contratação, à margem do sistema presidido pelas regras da Lei de Licitações. A construção de moradias populares não se valeu de convênios, pois havia incontáveis condições para sua celebração. A logística para realização do exame educacional que dá acesso ao ensino superior passou a ser feita por parceria com organização social, dada a dificuldade da administração de estabelecer diretamente contratações para esse fim.

Os arranjos alternativos se justificavam por razões diversas. Dificuldades em realizar concursos públicos com determinados pré-requisitos, licitações para tecnologias de ponta seguindo as mesmas regras para compra de clips, requisitos formais de regularidades para contratos e convênios, planos de trabalho excessivamente detalhados, tempos para seleção e licitação incompatíveis com as necessidades da população, gestão orçamentária engessada. A lista prosseguia, mas havia limitação de caracteres nos e-mails interplanetários. Se a burocracia marciana não o abandonasse por aqui, ele depois relataria os detalhes, que não são poucos.

Uns meses depois, já quase voltando a Marte, o extraterrestre perguntou quem assegurava a compatibilidade das regras de todos os sistemas. Isto é, em termos rasteiros, o marciano entendeu que havia alguém – estratégico, tático ou operacional – cuja competência era costurar os requisitos para cada setor (transportes, meio ambiente, educação etc.), assegurando que cada política seguia um circuito que garantisse a entrega de seus produtos para a sociedade. Descobriu que não havia, o procedimento era outro. As regras não atendem às necessidades dos setores. Os setores é que atendem – uma a uma – às regras, mesmo que, somadas, signifiquem nada - ou pouco. Mais do que regras estéreis, elas seriam impeditivas ao alcance de resultados, o que mobilizaria o aparecimento das alternativas.

Desconcertado, o marciano verde – já meio vermelho – indagou sobre a razão da existência dos sistemas na administração pública, se não para que o Estado pudesse garantir saúde, educação, moradias e outras necessidades. Os sistemas representavam o estratégico. A população exigia melhores serviços públicos. Esses dependiam de regras alternativas.

Chegada a hora de partir, o marciano não sabia ao certo o que colocar em seu relatório circunstanciado. Lembrou até o trecho de uma letra de música que conheceu no Brasil: “Só que Odilon, não pegando bem a coisa...”.

Enfim, não pegou bem a coisa. Diante das contradições, podia errar a interpretação, com efeitos graves, como na música. Estava tão confuso que se olhou no espelho e já não tinha certeza nem de quem era. Sua imagem projetava uma estranha figura, austera e investida de uma autoridade que só os notáveis têm. Para evitar o mal maior, decidiu pedir a seu chefe um retorno para concluir o trabalho. Precisava se aprofundar, conhecer mais a administração pública brasileira. Mal sabe o marciano sobre nossas limitações. Se voltasse, era para sempre. Está na regra.

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