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2004: O Ano Em Que O Brasil Exagerou No Superávit

Desde que não haja loucuras na despesa obrigatória, quando a economia engata uma onda de crescimento, a receita do Estado avança e o superávit fiscal funciona de forma extraordinária. A razão é simples: os gastos previstos com os investimentos demoram a maturar, provocando um excesso de caixa. O ideal, nesses momentos, é que se crie um fundo para ‘investir’ depois ou custear política pública de natureza não perene. A redução da dívida pública não pode ser a única política durante as ondas de crescimento, já que, nas crises, impera a contenção de gastos. Quando o superávit vira um resumo do anseio geral, não observamos como os países de economia forte se desenvolveram. Suas dívidas são maiores que as nossas e o desenvolvimento também. Um pouco de equilíbrio entre o pão-durismo e o gasto desenfreado não faz mal a ninguém.

Nem sempre o Brasil esbanjou gasto. Já invejamos o mundo com o exagero de nossas economias. Nem é tanto tempo assim. Há dez ou doze anos, até o FMI parou de circular por aqui. Antes que eles falassem para cortar na ida, Palocci e companhia já estavam de volta. O Brasil ficou mais sólido com os esforços fiscais adicionais. Foi bacana ouvir nossos representantes prometendo augúrios melhores para o seu povo com o novo índice para o superávit primário:

- Este é um país sério – de Gaulle nos deixou complexados, voltamos sempre a ele e ao mesmo assunto -, estamos ampliando nossos requisitos de estabilidade e, com o superávit primário passando de três e setenta e cinco do PIB para quatro e vinte e cinco do PIB, nossa economia deslanchará. Será zero cinqüenta de PIB a mais e isso não é pouca coisa.

Se eu entendi bem, quanto menos o Estado consumisse bens e serviços, mais a sociedade se beneficiaria, pois poderia ir às compras sem risco inflacionário. Nem sou economista, mas já estava ficando bom no assunto.

Cada décimo de percentual do PIB, em números atuais, significa qualquer coisa além de três bilhões de reais e, mesmo fazendo as continhas com o nokia, seriam quinze bilhões em gastos a menos.

Só começamos a desconfiar porque o tal primário sempre ficava muito acima de quatro e vinte e cinco, o previsto. Mesmo aí, a explicação era boa:

- Nós liberamos o dinheiro, mas os ministérios setoriais não conseguem gastar. Aqueles que contratam e executam os gastos diretamente têm problemas com os projetos; os que executam por meio de convênio ou repasse têm problema com os seus parceiros. Fomos também surpreendidos com o primário mais alto.

Um índice que era para alcançar quatro e vinte e cinco e fechava em quatro e sessenta, quatro e setenta, quase cinco zero? Apelamos à racionalidade burocrática – aí tem coisa! – e fomos à investigação.

Tinha muita coisa:

- Ministra, não é aleatório o número do primário. Não miramos quatro e vinte e cinco e fechamos acidentalmente em quatro e setenta.

- Não?

- Miramos, em verdade, quatro e setenta. Você olhando só o número do final do ano é a relação do superávit cheio com o PIB cheio, aí dá um número mais perto da meta. Como nos últimos dias do ano temos muito recebimento de tributos e despesas previstas não são pagas o número sempre aparece como surpresa, mas é justificável. Também dá uns probleminhas no SIAFI, nosso sistema de empenho e pagamento. Mas se você olhar o número de outro ângulo ...

- Qual ângulo?

- Imagine um gráfico: a cada mês, você cria um ponto na curva, que é o superávit acumulado dos últimos doze meses contra o PIB do mesmo período. No próximo mês, outro ponto, que é o superávit dos últimos doze meses, novamente contra o PIB. Essa média móvel gera um gráfico com uma linha absolutamente reta em quatro e setenta.

- Quatro e setenta?

- É. E, se é uma linha reta, nós não estávamos mirando em quatro e vinte e cinco, mas em quatro e setenta, entende? O pior, porém, não é isso!

- Tem pior?

- Você se lembra de quando veio um cara emprestado do FMI para a secretaria executiva da Fazenda?

- Sim.

- Pois aquele cara é muito bom. No mês que ele chegou a linha ficou absolutamente reta em cinco zero e está lá até hoje.

- Cinco zero?

A ministra saiu apressada, escalada que estava para outra reunião. Nunca se teve notícia do que aconteceu depois. É provável que o desvelar não tenha dado em nada. Mas pode ser que ela tenha chegado a presidente da República. Pelo que fiquei sabendo, com raiva de superávit. Nem olhem para mim. A culpa é da nuvem.

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