Estamos chegando na hora do orgulho besta. Trocando a política pública, que deve ser corrigida na hora em que o erro é descoberto, para satisfazer a investigação.
Um flamenguista sente orgulho de Zico, um botafoguense de Garrincha e um santista de Pelé; um tucano de FHC e um petista de Lula; um cearense de Chico e um baiano de Gil; um filho da mãe. Alguns têm orgulho de Bolsonaro, o que só demonstra que o dono do orgulho espalhou seu produto demais por aí.
Mas, putz, de que se orgulha o burocrata?
O burocrata faz torcida por times, partidos e personagens como qualquer brasileiro, mas, de seus afazeres, sente orgulho de algo?
Pensei logo no planejamento. Na constelação de funções do Estado, o planejamento está na posição mais elevada. É um ponto de partida. Um bom projeto de futuro para o Brasil, feito pelas estrelas burocráticas, e já se tem algo para explodir de orgulho.
Bem, mas não tem planejamento, então, vamos passar para outra.
O orçamento, quem sabe!
Uma peça previsível, estima as despesas, fixa as receitas... Epa, epa, é o contrário: estima as receitas e fixa as despesas. Nossa, como corre risco o burocrata! Uma mudança de sinal e seu curriculum vai pra lama.
Dentro de um bolo previsto de receitas, você fatia o orçamento em várias despesas. Milhares de despesas, para ser mais inexato. Então, não é difícil, o orçamento, mesmo detalhado em excesso, é um bom troféu para o campeonato de orgulho. O burocrata está salvo.
É melhor correr com essa salvação, no entanto. Se aparecer alguém com a conta de restos a pagar do ano anterior, aí a peça orçamentária vira um caos. Os restos a pagar não têm contrapartida de restos a receber. O chefe ainda pede para reabrir créditos do ano anterior que não foram utilizados, ampliando a despesa do ano, aquela que não tem contrapartida na receita. O orçamento perde eficiência. Nesse momento, só resta farelo a distribuir e todo mundo fica infeliz. É, meu caro, mesmo sendo um importante instrumento de gestão, o orçamento não serve para liderar o orgulho burocrata.
Podemos embalar e esconder junto a tesouraria. O Estado não paga ou paga em atraso e ainda aparece gente para atravessar o negócio. Definitivamente, a última bolacha do pacote de orgulho não é a tesouraria.
Pensando, pensando e... pintou a salvação.
O controle.
Como não cheguei ao controle antes?
O Brasil nunca controlou tanto. Os contratos da administração estão todas expostos no aquário e uma leva de gente, procuradores, analistas, policiais e juízes, manda ver, atua em respeito à lei, observa cada movimento. Aí sim, sem mas, sem nada, o campeão do orgulho: o controle.
Mais um 'mas', por último, me perdoem.
Onde estava o campeão do orgulho enquanto saqueavam Petrobrás e Correios? E as obras superfaturadas superfaturando propinas?
Chegar depois da cancela vulnerada e atirar no aquário espirra água para todo lado, mas não é tarde? Nunca é tarde?
Podemos confessar uma coisa: perdemos um pouco o brilho com essa história de chegar depois, mas ainda temos orgulho do controle. Desde que não apareça mais nada, é a minha conclusão.
Aí a polícia federal deflagra a operação carne fraca.
A falta de cuidados sanitários levou à prisão diretores dos maiores frigoríficos do país. Vendiam no mercado interno e exportavam carne fora do prazo de validade, disfarçada com produtos químicos. É a denúncia. Comércio de carne podre perfumada, reagiu um gaiato.
Há anos a polícia reunia elementos para a prisão dos envolvidos.
E aqui está o ponto.
A polícia investigou durante anos, enquanto o cidadão comeu carne podre.
Se fosse na indústria de remédios, o paciente estaria consumindo remédios sem qualquer eficácia. É a morte, em casos mais graves.
Frutas e verduras vencidas, leite contaminado e pães balofos nutrindo as crianças na escola, enquanto a polícia investiga?
Trazendo para um caso prático, o modelo funciona assim:
O servidor de controle desconfia de que a merenda fornecida às crianças paulista foi mal comprada, desviada e não é própria para o consumo.
O controle avisa à polícia.
A polícia pede ao juiz autorização para investigar, inclusive com escuta telefônica.
A investigação dura anos.
Prende todo mundo, enquanto a criançada vive nos hospitais, a barriga doendo.
Estamos chegando na hora do orgulho besta. Trocando a política pública, que deve ser corrigida na hora em que o erro é descoberto, para satisfazer a investigação.
O papel do controle não é evitar a lambança e encher a gente de orgulho?
Sei lá. Só chamando a polícia para investigar.