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Eu Dou Para O Senador Porque Quero

A supremacia do planejamento resulta em efetividade da política pública; a da gestão em eficiência; a do controle em controlação. Quando sargento Garcia chega com a cavalaria, Zorro já descansa nas montanhas.

As auditorias do controle são feitas sob parâmetro estatístico sofisticado, análise criteriosa e metodológica de relatórios e planilhas e planos de trabalho específicos para suspeitas e desconfianças, esses a cargo do seu serviço de inteligência.

Como são muitos os contratos na administração pública, apenas parte pequena é auditada e a técnica de verificação por amostragem foi uma grande jogada, pois permite observar o universo das coisas a partir de um microcosmo definido e estender seus fenômenos às demais.

Entendem-se as forças magnéticas do espaço sideral a partir do sistema solar e desvios de recursos da educação de um subconjunto de municípios investigados. O controle é, dessa forma, relativo.

O único problema é que a corrupção é absoluta. Se os astros roubam magnetismo uns dos outros fica relativamente na conta do cosmos, mas roubar merenda de criança é bastante surreal.

Chamamos de transparência e rigor moral decompor os custos de um vagão de metrô em mais de mil unidades ou de uma casinha popular em mais de duas mil unidades. Enquanto país desenvolvido observa o metrô funcionando e as crianças brincando no pátio, a gente quer saber de cada borrachinha que veda o vagão e do custo individual de cada tramela que fecha a casa. Como se a definição de transparência per si nos permitisse entender o detalhe das coisas e andar a pé fosse uma contingência do nosso debate arrastado; como se a definição de rigor moral fosse a aritmética dos custos unitários e tomar chuva e sol na cabeça um desastre da nossa natureza.

Em um dia inspirado na nossa rotina de burocratas, vamos posicionar gestão antes do controle. Faremos regras para gerir o todo e não controlar a parte. Menos contratos, itens, convênios, planilhas.

E fortalecer a gestão, tim-tim por tim-tim.

Trabalhemos nisso enquanto o departamento de inteligência trabalha naquilo, os casos distintos dos demais, quando há suspeita ou desconfiança de outra natureza.

Lá no Ministério da Cultura ocorreu um - que eu vou lhe contar.

Os primeiros achados de auditoria já estavam mapeados, o convênio era mal feito, a prestação de contas não demonstrava a entrega do objeto e a visita técnica confirmara o rolo. Era mais um acerto do controle corrigindo mais uma falha na gestão. Até que apareceu a inteligência:

- Tem uma menina nesta Secretaria, não sei não.

- Quem?

- A Paola.

- É honesta. Já verificamos tudo.

- Não sei, não. Ela é caso de um senador importante, deve estar envolvida e levando dinheiro pra ele. Queremos conversar com ela. Vou iniciar uma aproximação.

- Pode ir, mas a menina é honesta.

- Paola.

- Sim.

- Estamos com um problema na Secretaria.

- Sei, os outros auditores já conversaram comigo.

- O problema é que você é uma suspeita natural.

- Não tenho nada a ver com isso. Não recomendei o convênio, não aprovei as contas, desconheço a natureza das falhas encontradas no processo.

- Mas estamos suspeitando?

- De quê?

- Bem, tem o senador.

- Eu não tenho nada a ver com isso, muito menos o senador.

- Com que dinheiro ele faz campanha.

- Sei lá.

- A notícia é que ele vem aqui de vez em quando.

- Certo. Pra me ver.

- Dizem que ele vê mais coisas.

- Ele tem outro caso? – foi se enervando a moça.

- Não, não é isso.

- Então, é o quê? – já estava gritando.

- Você tem uma relação com ele e achamos que é por dinheiro.

- Faz um favor – acalma-se a moça.

- Qual?

- Anota aí em seu relatório.

- O quê?

- Eu dou para o senador porque quero.

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