A vantagem do pão é que urubu respeita.
O primeiro passarinho que Ricardo Moro viu foi um pintassilgo de prancha toda amarela, a cabeça pintada de branco por sabe-se lá quem, cortada por uma mancha vermelha cheia de pontas, feito estrela e labareda.
A fotografia do bichinho destacava-se no mosaico da revista, mesmo comparada a tantos primos, de todas as cores e tamanhos.
Ele não largava a revista.
Seus pais, observando a afeição, presentearam-no com um pintassilgo parecido com o da revista, e aí o menino descobriu que o papo do pássaro vibrava, de tanto cantar.
O canto era tão belo como o resto era bonito.
Antes que dele enjoasse, Ricardo ganhou outro pássaro, um melro.
Logo depois chegou um desconfiado papagaio, mais para o lado do mau-encarado.
Ele gostou do papagaio, mas o papagaio parecia não gostar de ninguém, muito menos do pintassilgo e do melro, para os quais fazia cara feia.
O pintarroxo e o uirapuru encheram o quintal de alegria.
Ricardo não se cansava de mostrar as fotos para o pai e receber os pássaros em vivo, alguns custando milhares de reais, outros custando muita burocracia, pois eram importados.
Na rotina do menininho, dava de comer e de beber à sua pequena fauna. Enquanto os pássaros pescavam o alpiste e uns grânulos coloridos, postos em tigela, Ricardo Moro lambia o picolé de coco ou chupava uma bala.
Vanderlei Silva nasceu em lixão de cidade grande, onde um amontoado de gente disputava garrafas e latas de coca-cola, lascas de madeira, espetos de ferro e, até, caixas de comida velha.
Durante anos, o único pássaro que conheceu foi o urubu.
Um urubu não é feio, mas milhares deles ao seu redor é.
Os urubus ficam mais feios quando avançam sobre as caixas de comida velha.
A ladineza deles superava a de Vanderlei, que, não raras vezes, ficava sem a refeição do dia - para não chamar aquilo de comida.
Quando o pai chegava da rua e se encontrava com o filho, entregava-lhe um pão de sal seco, troco da venda das latas de alumínio e da compra de uma pequena dose de cachaça, pois ninguém é de ferro.
A vantagem do pão é que urubu respeita.
Ele se afeiçoou por um urubu novinho, a quem lhe atribuiu um nome, não me recordo qual.
Vendo o filhote com dificuldade para conseguir seu alimento na disputa com os marmanjos, Vanderlei lhe ofereceu proteção. Um menino de bom coração, diga-se de passagem. Nem se abastecendo direito e se preocupando com um urubu.
Corria para as caçambas novas atrás de alimento e aprendeu a separar um pouco de comida para o urubuzinho.
O danado do urubu foi fazendo associação na cabeça e, certa vez, vendo chegar uma caçamba, correu para ficar perto de Vanderlei.
O menino achou engraçado, pegou uma caixa de papelão e lhe abriu um buraco.
Mirando o urubu, que fez pose, o garoto tirou um quilo de fotografias.
Vendo que seu filho se distraía com assunto indevido em hora de trabalho, o pai ralhou com ele:
- Isso não é hora, Vanderlei. O que você está fazendo?
- Tirando umas fotos de meu amigo, pai. É para botar numa revista.