A bola exposta em um museu do futebol é um investimento; já se a molecada se arriscar a dar um chutão nela, vira custeio.
Ao acordar, Júnior deu de cara com a TV nova e telever sua programação favorita era apenas uma questão de instalação.
- Massa, pai.
- Júnior, economizei no custeio e pude fazer este belíssimo investimento – apontou a televisão, com orgulho.
Júnior ficou aguardando a instalação, plugue e...
- Posso ver, pai?
- Não, filho. Vai gastar energia. Energia é custeio, não pode.
O menino sofreu, vendo a imagem de desapontamento do pai naquela telona que era a cara dele. Como poderia ter-se esquecido da lição número um da família? Investimento pode, custeio não.
Em algum momento no Brasil, a burocracia achou uma solução muito mais inteligente para o mesmo problema do pai de Júnior e, simplesmente, parou de comprar televisão – sem investimento não há custeio. Quando a pressão é grande, alguém tem logo a ideia:
- Vamos comprar o gabinete.
- Não, vamos licitar o gabinete; depois, licitamos o tubo de imagem, o sistema e, finalmente, os botões.
- Isso demora...
- Quatro anos.
- Ótimo, será outro governo. Vai querer outro tipo de televisão e aí para tudo.
- Outra televisão, não – apareceu alguém para corrigir -, outro gabinete.
Não podemos facilitar as coisas para a malandragem, nos ensina o controle: a administração nunca deve licitar um restaurante inteiro, mas, em separado, a obra civil, o ar-condicionado, os fogões, os armários, as mesas e as cadeiras. Capaz de demorar a hora do feijão, mas feijão, aprendamos, é custeio.
Se Júnior andasse mais pelo país com o pai, um distinto funcionário da burocracia federal, daria aula sobre o assunto na escola, apesar de que, aprendera, aula é custeio.
- O que é aquilo, pai? Dezenas de casas sem telhado.
- É filho, até agora só tem investimento. Terminando as casas, vem o custeio.
- E aquilo lá? Que obra enorme!
- Uma eclusa.
- Tá pronta?
- Não, como pode? Se ficar pronta, não temos como administrar a eclusa e ...
- É custeio – reforçou o garoto.
Sabido.
- Aquele lá, olha, parece um hospital.
- É, o prédio já está pronto. Agora, vamos comprar os equipamentos, raios X, leitos, fazer os consultórios dos médicos.
- Depois, vem o custeio – disse o menino sabido. E os médicos? É pra quando, pai?
- Uns oito anos, filho.
- Nossa, pai. E se eu ficar doente antes?
- Se preocupa não, Júnior, eu não vou fazer o investimento que fiz em você e... – preferiu não terminar a frase.
- Aquela ponte lá está sem a estrada, pai.
- É que a administração dividiu a licitação em duas, o encabeçamento da ponte em separado. Como só a primeira licitação deu certo, a ponte está pronta, falta a ligação com a rodovia. De vantagem, ainda atrasa a necessidade de manutenção, filho.
- Manutenção é custeio?
- Manutenção é custeio.
- Ótimo. Aquela barragem lá está pronta. Vai dar custeio.
- Não, porque não está pronto o sistema de adução, depois vem a estação de tratamento. Com as ligações domiciliares é que vem o custeio.
- Vai demorar, hein.
- É, e se o usuário for pobre, vai ter subsídio.
- Subsídio é...
- Custeio.
Os juniores do nosso time, que jogam e apostam na dicotomia investimento versus custeio, ainda não entenderam direito o esporte, muito menos a educação. O Maracanã sem custeio é um elefante branco e o colégio Elefante Branco sem professor é um... elefante branco. Separar o investimento do custeio é formar apenas a linha de frente do time, quando todos sabem que é atrás que vem gente. Sobra ainda para a bola, que uns acham que é investimento, outros custeio. Para ajudar nas conclusões, eu diria que a bola exposta em um museu do futebol é um investimento; já se a molecada se arriscar a dar um chutão nela, vira custeio. Em resumo, qualquer coisa parada é investimento; funcionando, custeio.
O custeio vem depois do investimento, mas se justa e contrapõem como as bocas em um beijo, diria um romântico. Os brincalhões, pouco românticos, gostam de afirmar que a máquina pública é uma coisa parada, ou seja, um investimento. Reduzir o custeio da máquina pública pode parecer então redução desse investimento para alavancar outros investimentos ou subsidiar o acesso às próprias políticas públicas derivadas dos investimentos.
Júnior não entendia nada - dessa confusão toda - aos dezessete anos e ainda era um encanto com o pai:
- Papai, o senhor é um doutor!
- Em investimento, filho.
Perto de sua casa, foi se formando um prédio, que Júnior descobriu que era uma escola técnica. O pai pediu para que ficasse de olho, mas a obra estava muito rápida.
- Estou preocupado.
- Preocupa, não, Júnior. Muita água ainda vai rolar embaixo dessa ponte.
- Ponte é investimento. Água é custeio.
- Isso!
Um dia, Júnior acordou assustado com o barulho no caminho da escola. Era a inauguração. Uma festa política, com políticos, os outros pais – o seu, jamais – e jovens – ele, nunca. Correu para o telefone, desesperado. Precisava avisar.
- Paiê, socorro, a escola ficou pronta!!
- Não acredito! Falhamos completamente.
- O que é que eu faço?
- Não sei, está tudo tão rápido.
- Deixe comigo.
O rapaz correu para a festa. Levantou tanta poeira que o perdi de vista. Vaiou tão alto que o escutei.