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Parte 2: Um Bom Sistema De Compras No Lugar De Nosso Modelo De Controle

Às vezes, devemos olhar para o hemisfério norte, dos dois lados do Atlântico. Deve haver alguma razão para que os governos de lá se dediquem com tanto afinco aos sistemas de compras públicas e deixem em segundo plano os sistemas de controle. Abaixo do Equador, fazemos exatamente o contrário. Aí tem.

Toda vez que a gente tem uma ideia firme de que algo, finalmente, vai bem, e aparece um sujeito para contestar, apresentado argumentos sólidos, pinta um clima de brochada geral:

- É, este país não tem jeito mesmo.

O assalto ao dinheiro público, para muita gente, nunca foi tão bem combatido. Heróis são apresentados em programas televisivos e suas fotografias vendem jornais. Os comentaristas e os analistas não se cansam de apontar suas virtudes e alguns documentários os mostram levando vida simples, enquanto destronam os barões da corrupção.

No último post, cumprimos um pouco esse papel de estraga-prazeres. O combate ao roubo de dinheiro público não vai tão bem assim. Muito pelo contrário, a queijaria fede ratos como nunca. Naquele post, não deixamos de concluir que há uma opção, em que se muda completamente o modelo, priorizando um sistema de compras ao invés de um sistema de controle.

Sim, é exatamente assim que fazem os países desenvolvidos. Priorizam sistemas de compras ante os sistemas de controle e os países em desenvolvimento, os racionais-legais do planeta, fazem exatamente o contrário.

Como funcionaria um sistema de compras?

Primeiro, uma agência federal independente, uma espécie de CADE, estabelece as orientações gerais para as compras de todo o governo, definindo a política, regulamento e procedimentos, e promovendo a eficiência (bom preço, bom produto) e a eficácia (entrega do objeto).

A agência independente é um instituto utilizado no sistema de compras americano, inglês, português e mais um bocado de gente, portanto, não é nenhuma novidade. Além disso, a notícia de qualquer mídia não anda indicando muitos problemas pelas bandas de lá. Tão relevante é o papel da agência para os americanos, que a sua maior autoridade precisa passar pelo crivo do Senado Federal.

Os americanos ainda têm um sujeitinho chato, um servidor público de carreira de Estado, concursado, unicamente com o objetivo de fazer o melhor com o dinheiro público e abastecer bem a queijaria. Até uma escola pública dedicada a esses servidores existe por lá. Quanta inveja.

Em nosso modelo, o papel de ‘comprar’ é entregue a qualquer interessado, mesmo quando ocupa cargo que não exige concurso público. Em compensação, temos vários cargos exclusivos de Estado para a atuação no controle, uma distorção de modelo já largamente explorada.

Nossa agência, diante de alguns critérios, como valor das compras, extensão e disseminação do objeto ou complexidade da licitação, também faria compras centralizadas. Os ingleses têm uma agência muito interessante, a Buying Solutions, que faz compras para todo mundo e cobra uma remuneração, em busca da autossuficiência.

Os preços pagos por nossa agência em suas licitações centralizadas funcionariam como teto para toda a administração, mesmo para objetos de contratos antigos. Portugal e Itália se utilizam de um mecanismo que nós podemos chamar de contrato estruturado e que vale para compras centralizadas. Esse contrato é resultado de uma licitação muito bem feita por qualquer agente público para a aquisição de objetos relevantes, cujo fornecedor tem boa experiência com a administração e o preço está bem em conta. Nessa situação, qualquer agência governamental que necessitasse desse objeto, era obrigada a recorrer ao contrato estruturado. A classificação como ‘estruturado’ seria adotada pela agência. Há que se mexer um pouco na lei, mas a elaboração aqui é sobre a melhor forma de fazer, não sobre como se é autorizado a fazer hoje.

Vamos fazer um registro importante: os países desenvolvidos mais se preocupam com o princípio da eficácia, que é a entrega do objeto à sociedade e ao governo, que o da eficiência, sem descuidar deste. Um instituto administrativo que bem representa a ideia da eficácia é algo que podemos chamar de funcionalidade do objeto, ou seja, você não deve licitar algo que necessita de outras licitações para que ele seja útil. É o caso de você dividir a merenda escolar em várias licitações e obrigar as crianças ao consumo de sucrilhos durante anos, porque outras licitações não foram bem sucedidas.

Outra aberração em nosso modelo é o ‘contratismo’. É uma doença que mata a administração e é provocada, dentre outras causas, pelo vírus da desfuncionalidade dos objetos. Significa que um modelo novo vai restringir a quantidade de contratos para o mesmo empreendimento. Não se pode administrar uma obra que exija 200 contratos para sua finalização como é o caso da transposição das águas do Rio São Francisco. Há alguma ciência que ajude na sincronização eficiente de 200 contratos? Não é essa a razão para o infortúnio e a intempestividade de nossa engenharia?

Feito esse arranjo, o sistema tende a funcionar. Ao controle caberia um pente fino nas falhas, de natureza preventiva ou punitiva. Perfeição é artigo raro na administração, imagina quando envolve dinheiro.

Do Estado, deve-se cobrar, adicionalmente, previsibilidade; do mercado, qualificação dos fornecedores. Quem não se habilitar para entregar o objeto certo e na hora certa, não pode fornecer ao governo. A queijaria já tem problema demais. Não podemos aparecer com mais um.


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